31.7.11

Morar fora e outras peripécias


Falou-se sobre isso aqui: http://bit.ly/rdCGgc

Em todo caso, vai também o copy+paste.

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Para a série Fragmentos Internacionais deste mês, convidei Daniela Santi, gaúcha que mora em Barcelona há alguns anos com o namorado e a filha.  

Super criativa e com uma paixão transcendental pelas palavras, Dani conseguiu me deixar confuso (risos). Fiquei por horas pensando em intervir ou não no texto enviado por ela para compor a entrevista. Até que, de repente, tive a ideia de publicar do jeito que veio. Pra que modificar? Leiam e entendam por quê. 

“Em fevereiro de 2007, vim fazer um curso de espanhol de 2 meses em Barcelona e nunca mais voltei.

Eu trabalhava como redatora criativa em Porto Alegre. O dia-a-dia das agências de publicidade é puxado. Depois de quase 10 anos, senti necessidade de dar um respiro. Morar fora foi a primeira opção.

A ideia inicial era ficar 3 meses em algum país da Europa, mas eu sabia que, quando botasse o pé aqui, não iria querer voltar tão cedo. E assim foi.

Eu vim com meu namorado, e a gente escolheu Barcelona por vários motivos. O clima foi um deles. Barcelona é uma cidade ensolarada, com as 4 estações bem definidas, exatamente como Porto Alegre. Por outro lado, tem algo que a gente sempre lamentou que Porto Alegre não tivesse: praias. Neste ponto, fomos bastante oportunistas (risos).  Achávamos que em Barcelona nossa adaptação seria mais rápida, até pelo idioma. Brasileiro pensa que dá para tirar o espanhol de letra, mas não é bem assim. Além do mais, o espanhol é o segundo idioma de Barcelona. Catalão fala catalão. Imagina a gente chegando aqui e ouvindo coisas como: “Com va això” Com et dius? Sisplau...”. O catalão me pareceu uma língua estranhíssima, impossível de entender, uma espécie de latim pós-moderno falado por crianças vindas do futuro (risos).

O nacionalismo dos catalães foi uma das coisas que mais nos surpreendeu. Há uma rivalidade fortíssima entre Madrid e Barcelona. Na época do Franco, era terminantemente proibido falar qualquer outro idioma que não fosse o espanhol. Muitos catalães ainda associam o espanhol com o fascismo. A Espanha passou por uma guerra civil terrível e viveu numa ditadura militar durante 30 anos. As lembranças dessa época ainda estão muito vivas. A sombra do fascismo paira sobre esse país. É um país dividido e desunido, de um jeito que para um brasileiro é difícil de entender. Para os catalães, a Catalunha é o seu país. Eles chamam o governador de presidente. A pressão política para desvincular-se da Espanha está cada dia maior.

Há uma forte imposição do catalão, que eles chamam de "normatização linguística". Os comerciantes são multados se sua fachada não estiver em catalão, 80% das peças de teatro são em catalão, não sei quantos por cento dos filmes têm que estar dublados ou legendados em catalão. Nas universidades, mesmo com a presença massiva de estudantes estrangeiros, as aulas têm de ser em catalão. Nas escolas, nenhuma criança pode ser alfabetizada em espanhol. É uma loucura. O nacionalismo cresceu muito nesses anos de crise. A palavra "catalão" é uma das mais pronunciadas pelos catalães (risos). Somos bombardeados com esse assunto do idioma o tempo todo.

Os catalães, em geral, são educados, reservados, um pouco frios, mas têm um senso de humor que me agrada. Já os garçons e atendentes não têm senso de humor algum. Me custa um pouco lidar com a rispidez e a falta de calor humano no dia-a-dia. Ser atendida num bar e no supermercado são verdadeiros testes para o caráter (risos). A gente até esquece o que é ser bem tratado. A primeira vez que entrei no Cantinho Brasileiro (um bar brasileiro bem conhecido aqui), a moça me gritou do balcão, toda simpática: “Oi, minha rainha!”. Quase chorei (risos). Outra coisa com a qual não consigo me acostumar é a “siesta”. A Espanha não funciona das 2 às 5, mas eu sim. A gente costuma dizer que é melhor não ter um infarto das 2 às 5, pois até motorista de ambulância vai pra casa descansar (risos).

De resto, é muito bom poder ir pra lá e pra cá de bicicleta, ter tanta oferta artística e cultural, morar numa cidade bela, em que os serviços funcionam e existe um mínimo de segurança. O problema da violência no Brasil é algo que me afeta muito. A gente se acostuma a viver com medo, e isso é péssimo. Poder andar tranquilamente a pé à noite, por exemplo, não tem preço. É como a vida deve ser. Meu pai me disse no telefone esses dias: “eu gostava tanto de passear a pé à noite...”. A segurança é algo que pesa muito na balança pra mim, pois agora eu tenho uma filha.

A Sofia nasceu em março desse ano. Ainda é muito pequena, estou amamentando, então a minha rotina tem girado em torno dela. Como trabalho por conta, não tive licença-maternidade, apenas diminuí o ritmo. Eu e meu marido temos um estúdio de web+design chamado Lunes Creativo. Foi algo que aconteceu naturalmente, já que ambos somos publicitários e moramos num país com 20% de desemprego (risos). 

Como diz o ditado, em tempos de crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços. Descobrimos que não há emprego, mas há trabalho. Há muitas PYMES (“pequeñas y medias empresas”) precisando de apoio criativo, artistas e profissionais liberais querendo divulgar seu trabalho na web... a gente entrou nessa brecha.

Moramos no Born, em frente ao Museu Picasso, numa das ruas mais antigas da cidade. É o epicentro da agitação turística, mas nosso dia-a-dia é tranquilo. A gente trabalha em casa e leva basicamente uma vida de bairro, com supermercados, restaurantes, galerias de arte, bibliotecas, parque, praia, tudo pertinho... Todo dia fazemos algum passeio com a Sofia. Gosto de ir à universidade e me perder dentro da biblioteca. De ir à praia durante a semana, que é mais tranquilo. Ao Parque da Ciutadella, que é aqui ao lado. De sair pra tomar uma “clara” numa “terraza” no final da tarde. De receber e visitar os amigos. De andar de bicicleta à noite, ir a galerias de arte, andar sem rumo e fotografar... Mas também há dias em que mal saio de casa, a Sofia me absorve muito, e o tempinho que sobra eu tiro pra escrever. Dizem que quando o bebê dorme, a mãe deve aproveitar para dormir também, mas eu aproveito para escrever (risos).

Minha história com as palavras começou cedo. Fui uma leitora precoce. Desde muito pequenininha tinha obsessão por ler e escrever. Quando tinha 4 anos, minha mãe me levou à escola para me matricular no “pré”. Alguém havia me dito que no pré-escolar só se desenhava, e eu fiquei apavorada (risos). Pedi para a diretora da escola para entrar na 1ª série. Mostrei a ela que já sabia escrever meu nome, algumas palavras. Ela achou um desperdício eu fazer o pré, e aos 5 anos eu comecei a estudar. Meus pais contam que, 3 meses depois de entrar na escola, eu já tinha lido toda a Cartilha da Mimi. A partir daí, me tornei uma leitora compulsiva. Deixava de brincar para ler, e não tinha quem me convencesse a parar. Tentaram de tudo, até dizer que eu ia ficar louca (risos). Ainda criança, escrevia escondida até altas horas da madrugada. Mentia que tinha medo do escuro para dormir com a luz acesa e poder escrever. Dormia com o diário embaixo do travesseiro. Tenho pilhas de diários guardados, de toda a minha adolescência. Jamais me passou pela cabeça publicar alguma coisa. Foi uma amiga escritora (Manoela Sawitzki) quem começou a me alfinetar...

Nos primeiros anos de Barcelona, contávamos a nossa experiência de morar fora em um blog (http://www.amitampoco.blogspot.com). Várias pessoas que vieram morar aqui chegaram até nós, através do blog. Na época, eu também escrevia poesias. Descobri que o melhor lugar para escrever poesias eram os trens. Tenho várias poesias que nasceram em movimento, em algum lugar entre Barcelona e França, entre Florença e Roma... Em 2008, ganhei uma Menção Honrosa no Prêmio Cidade Belo Horizonte com um volume de poesias. Logo depois, fui convidada para participar de um projeto muito bacana, uma coletânea de contos inspirados em músicas da Legião Urbana. “Como se não houvesse amanhã” foi publicado em 2010 pela Editora Record e já está na 3ª edição. Recentemente, o meu conto, “Será”, foi solicitado para ser incluído no material didático de 28 escolas.

Como leitora, tenho fascínio pelos grandes personagens. Meu livro de cabeceira é Dom Quixote. Também admiro muito a capacidade de contar histórias à moda antiga. “As mil e uma noites” é uma joia! Viveria tranquilamente em uma aldeia ouvindo o ancião da tribo contar histórias em volta da fogueira (risos). Gosto de mistério e senso de humor, de sentir que o autor criou a obra intuitivamente, sem formalismos. Entre os escritores que mais gosto estão Paul Auster, Nabokov, Turgueniev, Virginia Woolf, Miranda July. Com a Clarice Lispector é diferente, tenho ciúmes, estou certa de que ela me pertence (risos).

Viver em Barcelona nos fez aprender a lidar com o imprevisível e tirar proveito dele. Quase nada do que nos aconteceu aqui foi planejado, nem mesmo a Sofia. Nós somos a prova viva da teoria do caos (risos).  

Quando vim pra cá, só sabia que queria mudar de ares e ter mais tempo para escrever. Não imaginava, por exemplo, que iria estudar cinema.  

Apenas 3 meses depois de chegar a Barcelona, estava escrevendo um roteiro de curta-metragem com uma amiga argentina e um amigo catalão, uma comédia de humor negro, cuja ação se passa num velório. Esse roteiro foi selecionado para ser produzido e, de repente, eu estava atrás de uma câmera, dirigindo 13 atores. Paralelamente a isso, comecei a fazer um doutorado em teoria cinematográfica na Universitat Pompeu Fabra. Nos anos seguintes, rodei mais dois curtas, fechando uma espécie de trilogia. Meus curtas têm em comum o humor negro e um indisfarçável amadorismo (risos). O último, que ainda estou editando, tem um toque de terror. O elenco é todo infantil. Eu fiz o roteiro com as crianças e rodei de maneira totalmente improvisada, era essa a ideia. Foi um caos (risos). Terror e comédia são temas da tese que estou escrevendo para o doutorado. É uma investigação sobre o imaginário cinematográfico que une duas das coisas que mais gosto no cinema: Charlie Chaplin e Expressionismo Alemão. Eu sou fascinada por Chaplin. O único porta-retrato que tenho em casa é de uma foto do vagabundo (risos).

Eu morei uma época numa praia da Espanha (Tossa de Mar). Eu tinha o hábito de ler todo dia, sentada no mesmo banco... Um dia, um desconhecido veio até mim e me entregou uma pilha de papéis. Eram 30 desenhos. Ele tinha me desenhado durante dias, sem eu perceber. Em todos os desenhos, eu estou lendo. Achei legal essa história porque esse desconhecido, que eu jamais voltei a ver, captou com muita precisão a minha alma... Muitas vezes, como agora, escrevo com uma mão só, e com a outra seguro a mão da Sofia. Estou absolutamente encantada de ser mãe, apesar de às vezes estar exausta. Sinto falta do apoio e do afeto da família.  

Saudade é um tema recorrente na vida de quem mora fora. Vou todo ano ao Brasil, mas ainda assim o coração reclama. Criamos um problema insolúvel: quando estamos aqui, queremos estar lá, quando estamos lá, queremos estar aqui. É como ter dois corações. Porto Alegre é a nossa terra, e Barcelona eu não sei o que é, mas não nos deixa ir embora (risos)”.


Matéria de Igor Zahir para o site leiamoda.com.br


10.11.09

Marta, La Muerta

Marta la Muerta sale en defensa de los muertos mientras vuelve a su tumba tras una noche de Halloween.




Cortometraje producido para el Kabaret de los Muertos de 'la Nave', Barcelona, 01/11/2009.
Idea y realización: Julia Morando y Daniela Santi
Títulos de crédito: Mauricio Gravana
Actriz: Julia Morando
Locación: Cementerio de Montjuïc

8.4.09

crises, tremores e estressores

na mesa ao lado, a mãe espanhola ensina seu filho de 90 centímetros a falar crise:

- cri-sis.


; ; ;


na rua, o homem barrigudo tropeça em seu cachorro gordo.
impaciente, grita:

- hooombreeee!


; ; ;


no telejornal, notícias de terremotos na itália:

- a gente não tá meio perto demais da itália, não?
- pois é. ouvi falar que estamos na mesma placa tectônica, mas que o risco é mínimo.
- mínimo? nossa, eu gostaria tanto que fosse nulo.


20.3.09

Acabôôôôôôôô!

Dentro de mim um Galvão Bueno grita, como se fosse final de copa do mundo.
Final de inverno no hemisfério norte!
Temperaturas elevadíssimas, em torno de 16 graus.
Um sol que realmente aquece, não apenas faz de conta.
Os dias já são mais longos que as noites.
Já dá pra usar manga curta dentro de casa.
As possibilidades de chover hoje são de 0%.
E de o verão chegar em exatos três meses, 100%.

Como diria Santa Paciência: Deus é ma-ra-vi-lho-so.



Las probabilidades de hoy

El pronóstico para hoy
Máxima
16°
Salida del sol: 06:55
Probabilidad de precip. 0%
Soleado
El pronóstico para esta noche
Mínima
Puesta del sol: 19:04
Probabilidad de precip. 0%
Despejado

1.1.09

som na caixa

e samba no pé.

é o que a gente deseja em 2009.



15.12.08

Diário de viagem - III

*
Terça-feira, 11 de novembro de 2008, 23h30

- Vocês estão procurando uma cachaçaria?

De fato, nós estávamos em busca de uma cachaçaria. Nós éramos, aliás, duas turistas em Ouro Preto procurando uma cachaçaria no meio da noite. Alguém no bar em frente havia dito: “nessa ruazinha aqui tem uma”, e quando estávamos a dois passos de entrar na tal cachaçaria, alguém gritou “Ei!” e veio correndo na nossa direção. Era baixinho, moreno, e tinha cabelos na altura do ombro.

- Eu conheço uma cachaçaria ótima! Posso levar vocês até lá.

Eu olhei pra Manu desconfiada, mas ela me olhou com curiosidade.

- Não precisa, não. A gente vai nessa aqui mesmo. Obrigada – eu disse, sorrindo polidamente.

- Mas a outra é bem mais legal. E é aqui pertinho. Eu levo vocês lá, vamos!

Olhei pra Manu com cara de “nem pensar”, mas ela me olhou com cara de “ué, de repente”.

- A que distância fica daqui, mais ou menos? – perguntou Manu, interessada.

- Ah... uns 100... 200 metros...

Fiz cara de “parece longe”, Manu de “parece perto”.

- Vamos, meninas! Vocês vão gostar!

Manu me olhou.

- Vamos?

Eu não queria ser antipática com moço tão solícito, nem anti-social na nossa primeira noite em Ouro Preto. Mas algo me dizia que nós não estávamos num filme do Woody Allen, não éramos duas americanas em Barcelona, e o rapaz, definitivamente, não tinha o poder de persuasão do Javier Bardem.

- Ok. Vamos. – eu disse.

E fomos. Ele se apresentou como “Joker Índio, o poeta de todas as ruas” e começou a falar euforicamente. Duas quadras depois, já estava recitando suas poesias (“que o nosso amor se eternize / nas suas varizes!”, declamava empolgado), e a gente ria, balançando a cabeça como quem diz “que figura, hein”. E fomos descendo, descendo, passamos por uma igreja do Aleijadinho, outra igreja do Aleijadinho, depois um cemitério, e as ruas foram ficando escuras e desertas, e mais escuras, e mais desertas, então eu comecei a interromper o falatório de Joker Índio numa mescla crescente de nervosismo/irritação: falta muito? onde é, afinal? logo ali onde??? ONDE???

Mas Joker Índio sorria confiante, situação dominada.

- Não se preocupem, meninas... Eu sei, vocês agora devem estar pensando naquele motoboy que matava mulheres em lugares escuros... Mas, ó, eu sou de confiança! Fiquem tranqüilas...

Ah, claro que ele é de confiança, pensei. Ele nunca diria que não é de confiança. Eu não havia pensado no tal motoboy, mas agora estava pensando, e muito. Prestes a penetrar com minha amiga e um desconhecido em mais um trecho escuro de mais uma ladeira, eu estaqueei.

- Manu, quero voltar.

Por sorte, Manu me olhou com cara de “eu também, eu também!” e consentiu na mesma hora. Mas Joker Índio se negou a aceitar a idéia.

- Mas mas... é logo ali! Falta tão pouquinho agora... Vamos!

- Olha, Joker Índio – eu disse, reunindo todo o meu tato diplomático – valeu a boa vontade, foi muita gentileza sua nos acompanhar, mas a sua cachaçaria é muito longe, e nós vamos voltar. Tchau.

- Nãããão! Não façam isso... Vamos, por favooor!

"Por favor"? Joker Índio parecia ter uma baixíssima tolerância a "nãos", mas "por favor" já era demais. Fui obrigada a dizer-lhe algo horrível. Olhei fundo dentro dos seus olhos e falei:

- Não insista.

Ele seguiu, inconformado, ladeira abaixo. Nós voltamos, apavoradas, mas vivas, Ouro Preto acima.


* * * * *


8.12.08

Diário de viagem - II

* * * * *
Sexta-feira, 28 de novembro de 2008, 14h30

- Embarque imediato pelo portão 8.

Lá vou eu outra vez. O filme que eu já vi, sendo reprisado na Sessão da Tarde da minha vida. A história se passa diante do portão de embarque do Aeroporto Salgado Filho. Gênero: drama. Participação especial da minha família. Essa doce criatura de pouco mais de um metro de altura, que sempre me abraça primeiro e por último, é a minha sobrinha. Esse bebê lindo que ganha beijos dormindo é o meu sobrinho. A que me abraça muitas vezes é a minha mãe. A que sempre me faz chorar, minha irmã. E não confundam: o que me abraça sério e forte é o meu pai; o que sorri e abraça suave é o meu sogro. Minha sogra é a que fala, sorri, quase chora, abraça suave, forte, tudo ao mesmo tempo.

Lá vou eu outra vez. Sozinha dessa vez. “Dá licença, por favor?”, alguém suplica, pois eu estou atravancando a porta de embarque. Abaixo pra falar com minha sobrinha, lhe dou beijos, conselhos, coma bastante, viu, estude, cuide bem do seu irmão. Ela dá tapinhas nas minhas costas e diz: “Tá bem, Dani. Agora vai, senão tu vai perder o avião.”

Lá vou eu. Outra vez. Para o embarque imediato pelo portão 8. O filme está acabando. A câmera enquadra a protagonista olhando pela janelinha. Uma lágrima escorre devagar. Sobe trilha.

Agora passa a paisagem
Agora não me despedi
Agora compro uma passagem
Agora ainda estou aqui


O avião toma velocidade e eu leio pela última vez PORTO ALEGRE. Fim.


* * * * *


3.12.08

Diário de viagem - I

* * * * *
Sábado, 29 de novembro de 2008, 17h

- Feestelijk inhalen aan Barcelona.

Era o comandante holandês da KLM dando as boas-vindas à cidade. Depois de sobrevoar o Mediterrâneo baixo demais pro meu gosto – apesar da belíssima vista de Barcelona que isso proporcionou a nós, passageiros em pânico – ele fez uma aterrissagem que, sem sombra de dúvidas, foi a pior pela qual já passei. Pousou meio de lado, as rodas tocaram o chão num estrondo, o ruído aumentando enquanto a aeronave tentava ser freada, aparentemente sem sucesso. Foram apenas alguns instantes, mas a diversidade de reações que brotaram de dentro de mim foi incrível: num segundo me apavorei, no outro procurei manter a calma; no outro resolvi checar só por garantia o comprimento da pista de pouso, no seguinte me agarrei tremendo à poltrona; na seqüência rezei, sei lá, pra Nossa Senhora Protetora dos Groovings e, por fim, pensava: “Essa merda não vai parar nunca, porraaaa?”.

Parou. No limite da pista, mas parou. Olhei pela janelinha do avião e vi ali escrito BARCELONA. Do canto esquerdo do olho direito escorreu uma lágrima, porque essa coisa de viajar me deixa sempre muito sensível. Corri pra esteira e peguei minha companheira obesa. Eu havia rezado muitas vezes para que ela não se perdesse de mim ao longo dessa viagem. Foram tantos lugares, ônibus, porta-malas, aeroportos. Minha última oração havia sido dedicada à Nossa Senhora dos Nada-a-Declarar, para que não cismassem comigo em Amsterdam e eu não precisasse em hipótese alguma abrir a mala, pois até feijão e goiabada tinha lá dentro (presentes irrecusáveis de minha mãe), fora a farmacodiversidade de causar sérias suspeitas em qualquer Setor de Imigração. Cápsulas e mais cápsulas de fitoterápicos, homeopatias, soluções hidroalcoólicas, remédios pra isso e remédios praquilo entre pacotes de feijão e goiabadas do Zaffari – como explicar essa mala de feirante hipocondríaca, em bom inglês, a um holandês loiro e alinhado?

Saí porta afora ansiosa, tentando reconhecer um rosto, apenas um rosto na multidão. Veio? Não veio? Atrasou? Onde está? Ali: sorriso maroto no rosto, casaco grosso de lã e um cartaz na mão escrito NEGUINHA. Tinha até esquecido como ele era alto e engraçado.


* * * * *


Sábado, 29 de novembro de 2008, 11h15

- Feestelijk inhalen aan Amsterdam.

Tive sorte. Foram 10 horas de vôo entre São Paulo e Amsterdam, e ninguém havia comprado o assento 22B, que ficava entre a suspirante e melancólica mulher da janelinha (no caso, eu, Sra. 22A) e o educado e gélido homem do corredor (ao que tudo indica, um holandês, Sr. 22C). Na chegada, ele percebeu meus ridículos esforços para colocar a bagagem de mão no abarrotado compartimento superior, que eu mal conseguia alcançar (nenhum holandês deve ter 1,60m, concluo), e disse gentilmente “I try”, ao que eu agradeci e aceitei prontamente. Aeromoças lindas, loiras e sorridentes passavam pra lá e pra cá, eu suspirei e disse bye bye Brasil, o avião decolou, eu não comi nada e não liguei a TV uma vez sequer durante toda a viagem. Não queria saber em que latitude e longitude estava, não queria assistir nenhuma comédia nova, nem jogar Tetris, nem comer suflê. Só queria dormir e lembrar. Ajustei o horário do meu iPod para GMT+1:00 Madrid e dei um play.

Hoy en mi ventana brilla el sol
Y el corazón
Se pone triste contemplando la ciudad
Porque te vas


Tive sorte. Eu só tinha coisas boas pra lembrar e nenhum cotovelo ao lado pra me cutucar. E quando o avião pousou em Amsterdam, de modo quase imperceptível, deslizando pela pista até parar suavemente, na melhor aterrissagem da minha vida, eu pensei: ah, esse é braço.


* * * * *


Cría Cuervos, Carlos Saura

Porque te vas, Jeannete

22.11.08

vida laboral

Future Shorts foi criado por 2 diretores de cinema
e que a cada sexta-feira publicam 2 curtas anonimos.
vale a pena conferir de vez em quando



31.10.08

Avant-première

Este é um momento único na história de los cutremetrajes.

Hoje, sexta-feira, 31 de outubro, El muerto al hoyo y el vivo al bollo será gentilmente projetado pela Casa Vasca (Euskal Etxea) de Barcelona.

E dá-lhe multiculturalidade: um curta de uma brasileira e uma argentina, produzido por catalães, sendo projetado pela primeira vez num centro cultural vasco.

Estaremos lá, felizes e contentes, recebendo equipe, atores, amigos, convidados e penetras para comer pintxos, beber txakolis e assistir juntos a essa fantástica cutre-produção.

Deixo aqui o cartaz de Mauricio Gravana com ilustrações incríveis do nosso querido amigo Eliandro Ramos.

Haja coração!


14.10.08

Making of, ficção e realidade

A história do filme se passa num velório, portanto, o encarregado de fazer as imagens do making of foi, claro, o próprio morto. Ninguém melhor que ele, que passou o dia deitado, numa boa, sem nenhum texto pra decorar, com sua câmera escondida dentro do caixão, para dar uma filmadinha entre uma toma e outra. Barbada.

Quer dizer, mais ou menos. O cara foi xingado pela mulher, agarrado pela amante, sacudido por um bêbado, quase espancado pelo genro, tudo isso sem poder rir e tendo que controlar a respiração. Passava calor, suava, ficava corado, tinha que maquiar de novo pra ficar convincentemente pálido. Uma função.

Além do mais - e isso ficamos sabendo só no dia da rodagem - anos atrás tinha sofrido um acidente horroroso, desses de ficar entre a vida e a morte. Atuar em uma comédia de humor negro interpretando um morto e passar um dia inteiro dentro de um caixão lhe pareceu uma boa maneira de exorcisar o trauma (levantar e ir embora no final do dia, então, melhor ainda).

Mais coincidências: o genro do falecido (no filme) tinha ido ao velório do sogro (na vida real) algumas semanas antes da rodagem. Ele queria fazer qualquer papel, menos o de genro. Só depois fomos entender por quê.

Já o Mauricio se sentiu bastante à vontade interpretando o bebum transgressor e sem noção que, entre outras coisas, passa a mão na bunda da senhora mãe do morto. Neste caso, melhor que a baixaria não tenha qualquer conexão com a realidade.


***


Outra: a amante do morto, que no filme está grávida do sexto filho, decidiu encarnar pra valer seu personagem e saiu de casa caracterizada de gestante. Alisou a barriga (isto é, o travesseiro), colocou mão nas costas, fez cara de sofrimento e se deu bem. Ganhou lugar no ônibus. 

E o que é melhor: aceitou.

And the Oscar goes to...




by Oscar Izquierdo

9.10.08

Em breve num cinema perto de você

Ainda é só o teaser, mas já dá pra ter uma idéia da nova estética criada pela produtora Bollo Fictions: el cutremetrage. El cutremetrage é um curta-metragem cutre ("fuleiro", "chinelo"), que tem o objetivo de, se não agradar ao público, pelo menos fazer a equipe se divertir.

O estilo cutre foi criado ao acaso, após fuga em massa de seus produtores, diretores de arte, figurinistas, iluminadores e continuístas dois dias antes da rodagem. Por sorte, os atores e a câmera ficaram. Assim nasceu a Bollo Fictions: com os que restaram.

Quem assiste a um cutremetrage pode achá-lo de um amadorismo vergonhoso, mas a verdade é que até algo amador dá trabalho de fazer. Achar um lugar pra rodar, reunir 13 atores (dentre eles uma senhora de 80 anos), além de um caixão de verdade, uma câmera decente, um microfone que funcione e pelo menos dois focos de luz...

Bom, mas ainda é só teaser. Em breve eu mostro o resto e falo mais.




by Oscar Izquierdo

26.9.08

Pequeno manual de autoconhecimento para turistas

Todo mundo pensa que não paga vale de turista. Que viaja por aí sem ser notado, mesclado com a multidão. Que só porque não usa camisa floreada, câmera pendurada no pescoço e sandália de apóstolo não se encaixa no perfil. Essa lista tem o objetivo de provar que, por mais cool que se queira parecer, basta viajar para pagar mico de turista. Atire o primeiro Guia 4 Rodas quem nunca praticou nenhuma das ações listadas abaixo.

1. Abrir mapa no meio da rua. Você passou uma semana estudando o mapa da cidade, sabe de cor os pontos turísticos e todas as ruas que levam até eles. Ainda assim, não há dúvida: você vai se perder. É chegado o momento tão temido por todo turista cool, o de abrir mapa no meio da rua. Mas não seja orgulhoso. Admita que é humanamente impossível situar-se sem um mapa numa cidade que você nunca viu na vida. Tática muito comum e com alto nível de fracasso é tentar olhar o mapa sem tirá-lo da bolsa. Você desiste e, para não perder a pose, busca um canto qualquer em que possa descobrir discretamente onde diabos você está, sem dar bandeira de que está perdido. Tarde demais. Alguém já bateu no seu ombro perguntando: quenairréupiu?

2. Tirar fotos que todo mundo tira. Ser turista não é só ir aos lugares que todo mundo vai, mas acima de tudo não ter muita imaginação fotográfica. Por algum motivo misterioso, é irresistível tirar fotos de braços abertos no Cristo Redentor e apoiando a Torre de Pisa. Isso pra não citar tudo que é possível fazer com a Torre Eiffel.

3. Tirar fotos que ninguém tira. Você precisa justificar o cartão de memória de 5 Gb que comprou para a sua câmera, não é mesmo? Além do mais, só o turista acha absolutamente tudo interessante. Aquela parede descascada não é só uma parede descascada - é uma parede descascada do sul da Croácia! Mas, fique atento. Em momentos como esse, surge um personagem muito comum entre os turistas: o ladrão de idéias de fotos. Quando você guarda a câmera satisfeito, convencido de que é a única pessoa do mundo a ter feito uma foto tão criativa, olha para o lado e vê que um turista japonês acaba de roubar a sua idéia. E o que é pior, com uma câmera muito melhor do que a sua.

4. Comprar souvenir. Ser turista é também ser um pouco exibido. No fundo, no fundo, o que você pretende com aquele brinco de pena de tucano e aquela camiseta “Eu amo Porto Seguro” é provar que no feriadão você esteve mesmo na Bahia, e não em Rainha do Mar.

5. Perder a classe por causa da fome. Todo mundo sabe que praia dá uma fome do cão. Mas o turista é um sujeito cool, relax, que está acima das triviais necessidades do corpo. Cuidado. Esquecer que se tem estômago e errar no planejamento das refeições é o primeiro passo para o declínio da elegância. Depois de comer três modalidades de picolé, você sai correndo da praia com os olhos esbugalhados e entra de chinelo no primeiro restaurante metido a besta com mesa liberada que encontra (porque os mais baratos têm fila na porta). Quando você chega, todo mundo percebe o seu desespero contido, cobiçando sorrateiramente o prato alheio. Quando sai, nem se dá conta de que deixou um rastro de areia no buffet e a marca da bunda molhada na cadeira.

6. Crer piamente que o inglês é a língua universal. Você fez 4 anos de Yázigi, sabe até conjugar os verbos no pretérito mais-que-perfeito e resolve passar as férias na Europa. Desembarca na Espanha e descobre que lá há quatro línguas diferentes - e que você é que vai ter que aprender a falar o dialeto local para ser entendido. Na França, felizmente, todos sabem falar inglês - mas não querem, não gostam, não estão a fim. Sua única saída, então, é ir pra Londres - mas chegando lá é barrado na imigração, e depois de passar 18 horas numa salinha 2x2, sem comer, é deportado. Afinal, você falava muito bem o inglês e eles desconfiaram: você só podia estar buscando trabalho.

7. Ter cara de turista. Você pode não perceber, mas o seu caminhar lento, seus lábios ligeiramente abertos e sua indisfarçável curiosidade por tudo ao seu redor bastam para entregar que você é um turista. Sua expressão corada e satisfeita às 10 da manhã de uma segunda-feira, altamente contrastante com as olheiras dos trabalhadores locais, também é uma indiscutível evidência da sua vergonhosa condição de turista feliz de férias.

8. Obstaculizar o cotidiano alheio. Por mais que você se esforce para ser simpático, é preciso encarar essa dura realidade: turista incomoda. O turista exibe um desagradável comportamento que tranca ruas, tira a fluidez natural das escadas rolantes, entope saídas de metro, entradas de restaurantes, calçadas estreitas, corredores de ônibus, e é dono de uma sensibilidade artística que o enraíza em frente a obras de pintores famosos nos museus. O turista empacado e sem pressa é o pesadelo de qualquer pessoa produtiva e com horários. E ele ainda vai embora dizendo que gostou muito da cidade, mas que o povo de lá, infelizmente, é muito estressado.