11.4.08

Encontros incríveis



Sexta-feira à noite, no Borne

Eles estavam em frente ao bar. Pareciam dois personagens de cinema mudo, com aqueles chapéus estilo marinheiro. Ela croata, ele italiano. Não falavam espanhol.

- Posso tirar uma foto de vocês?
- Claro!

(Pose. Click.)

- Vocês são brasileiros?
- Sim!
- De que parte do Brasil?
- Do sul.
- Porto Alegre?
- Sim! Não me diga que...
- Novo Hamburgo? Você conhece Novo Hamburgo?
- Sim! Não me diga que...

A croata me abraçava, emocionada. Alguém em Barcelona conhecia Novo Hamburgo.


***


Quarta-feira à tarde, na Universidade

Primeiro dia de aula de Cinema e Pintura. A professora pergunta:
- Alguém aqui tem problema com o idioma? Todo mundo entende o catalão?

Um rapaz levanta a mão.
- Mais ou menos, professora. Não entendi nada na aula do Jordi Balló ontem.

A professora sorri.
- Ah, mas você... Não quer que eu fale português, não é?

Fiquei intrigada. O cara falava espanhol com sotaque francês. O que o português tinha a ver com isso?

- Você fala português?
- Sim, sou brasileiro.
- Sério? Eu também!
- De onde? Porto Alegre?
- Sim! Não me diga que...
- Eu também! Eu também!

Levantou as mãos pro céu e gritou "Cidade Baixa!". Eu revidei com um "Belém Novo!".

Estávamos um em cada canto da sala, e os catalães nos olhavam. Apavorados.


***


Terça-feira à noite, na Pizza del Born

Garçom argentino:
- Você é brasileira, não? Elas também.

Apontou para as três meninas loiras sentadas ao meu lado, no balcão do bar.
- E trabalham pra Xuxa. São Paquitas.

As meninas riram, faceiras. Uma era baiana, outra paranaense, outra paulista. A baiana, com um ar blasé, deslizou uma moeda de 10 centavos de real até mim e disse:
- Toma. Pra você, quando for ao Brasil.
- Ah, obrigada. Mas não vou voltar tão cedo.

Devolvi a moeda. Ela insistiu:
- Eu muito menos. Quero essa moeda não. Atrasa a vida.

Eu incrédula:
- E você dá pra mim???

A moeda ficou lá, nos olhando. A baiana, a contragosto, colocou na carteira de novo.


***


Quinta-feira à tarde, em Santa Coloma

- Quer dizer então que vocês são gaúchos?
- Sim, você também?
- Não, sou de Brasília, mas moro em Porto Alegre desde pequeninha.
- Ah, bacana.
- Mais ou menos. Sofri muito preconceito lá. Na escola, eu não podia abrir a boca que ficavam tirando sarro do meu sotaque.
- Ah, é? Tu vê. Crianças, né? São cruéis.

Mudar de assunto. Urgente.

- Mas então você está voltando para Porto Alegre?
- Sim. Não gostei de Barcelona, sabe? Não gostei da comida. Não gostei da qualidade de vida. Não gostei dos catalães. São fechados, preconceituosos. E vocês não podem reclamar porque são iguais.
- Mas é você que está reclamando!


***


Moral da(s) história(s):
1. Todos os designers de sapatos do mundo já foram a Novo Hamburgo.
2. Gaúchos que moram em Paris falam espanhol com sotaque francês, mas português sem sotaque.
3. Se uma baiana loira, de chapinha e lentes de contato lhe oferecer uma moeda de 10 centavos, não aceite. Ela está querendo atrasar a sua vida.
4. Não entendo quem reclama dos gaúchos. Morei 29 anos no Rio Grande do Sul e nunca ninguém tirou sarro do meu sotaque.