3.12.08

Diário de viagem - I

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Sábado, 29 de novembro de 2008, 17h

- Feestelijk inhalen aan Barcelona.

Era o comandante holandês da KLM dando as boas-vindas à cidade. Depois de sobrevoar o Mediterrâneo baixo demais pro meu gosto – apesar da belíssima vista de Barcelona que isso proporcionou a nós, passageiros em pânico – ele fez uma aterrissagem que, sem sombra de dúvidas, foi a pior pela qual já passei. Pousou meio de lado, as rodas tocaram o chão num estrondo, o ruído aumentando enquanto a aeronave tentava ser freada, aparentemente sem sucesso. Foram apenas alguns instantes, mas a diversidade de reações que brotaram de dentro de mim foi incrível: num segundo me apavorei, no outro procurei manter a calma; no outro resolvi checar só por garantia o comprimento da pista de pouso, no seguinte me agarrei tremendo à poltrona; na seqüência rezei, sei lá, pra Nossa Senhora Protetora dos Groovings e, por fim, pensava: “Essa merda não vai parar nunca, porraaaa?”.

Parou. No limite da pista, mas parou. Olhei pela janelinha do avião e vi ali escrito BARCELONA. Do canto esquerdo do olho direito escorreu uma lágrima, porque essa coisa de viajar me deixa sempre muito sensível. Corri pra esteira e peguei minha companheira obesa. Eu havia rezado muitas vezes para que ela não se perdesse de mim ao longo dessa viagem. Foram tantos lugares, ônibus, porta-malas, aeroportos. Minha última oração havia sido dedicada à Nossa Senhora dos Nada-a-Declarar, para que não cismassem comigo em Amsterdam e eu não precisasse em hipótese alguma abrir a mala, pois até feijão e goiabada tinha lá dentro (presentes irrecusáveis de minha mãe), fora a farmacodiversidade de causar sérias suspeitas em qualquer Setor de Imigração. Cápsulas e mais cápsulas de fitoterápicos, homeopatias, soluções hidroalcoólicas, remédios pra isso e remédios praquilo entre pacotes de feijão e goiabadas do Zaffari – como explicar essa mala de feirante hipocondríaca, em bom inglês, a um holandês loiro e alinhado?

Saí porta afora ansiosa, tentando reconhecer um rosto, apenas um rosto na multidão. Veio? Não veio? Atrasou? Onde está? Ali: sorriso maroto no rosto, casaco grosso de lã e um cartaz na mão escrito NEGUINHA. Tinha até esquecido como ele era alto e engraçado.


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Sábado, 29 de novembro de 2008, 11h15

- Feestelijk inhalen aan Amsterdam.

Tive sorte. Foram 10 horas de vôo entre São Paulo e Amsterdam, e ninguém havia comprado o assento 22B, que ficava entre a suspirante e melancólica mulher da janelinha (no caso, eu, Sra. 22A) e o educado e gélido homem do corredor (ao que tudo indica, um holandês, Sr. 22C). Na chegada, ele percebeu meus ridículos esforços para colocar a bagagem de mão no abarrotado compartimento superior, que eu mal conseguia alcançar (nenhum holandês deve ter 1,60m, concluo), e disse gentilmente “I try”, ao que eu agradeci e aceitei prontamente. Aeromoças lindas, loiras e sorridentes passavam pra lá e pra cá, eu suspirei e disse bye bye Brasil, o avião decolou, eu não comi nada e não liguei a TV uma vez sequer durante toda a viagem. Não queria saber em que latitude e longitude estava, não queria assistir nenhuma comédia nova, nem jogar Tetris, nem comer suflê. Só queria dormir e lembrar. Ajustei o horário do meu iPod para GMT+1:00 Madrid e dei um play.

Hoy en mi ventana brilla el sol
Y el corazón
Se pone triste contemplando la ciudad
Porque te vas


Tive sorte. Eu só tinha coisas boas pra lembrar e nenhum cotovelo ao lado pra me cutucar. E quando o avião pousou em Amsterdam, de modo quase imperceptível, deslizando pela pista até parar suavemente, na melhor aterrissagem da minha vida, eu pensei: ah, esse é braço.


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Cría Cuervos, Carlos Saura

Porque te vas, Jeannete

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