Ela é a criança de 4 anos com mais apelidos que eu conheço. Para uns é Níni, para outros, Nina, e também Kika, Rafa, mas pra nós sempre foi Pipi. E porque ela gostou, pegou. Com 1 ano já dizia:
- Meu nome não é Rafaella, é Pipi.
E Pipi teve variações, e virou Piqui-Liqui, e com o tempo, simplesmente, Piqui.
A Piqui é dona de uma das vidas mais divertidas que eu conheço. Tem muitos irmãos - um de sangue e dois “de coração”, como ela mesma diz –, um cachorro chamado Caju, outro chamado Cosquinha, uma “peixa” chamada Luneta, e dois pintinhos, o Pepino e o Biscoito. Nomes escolhidos por ela, porque a Piqui é também a criança mais criativa que eu conheço.
A Piqui adora filmes. Volta e meia ela é algum personagem (“Mãe, eu não sou a Piqui, eu sou a Dorothy”). E quando descobre um filme novo, vê até a gente enjoar – porque ela não enjoa nunca. Ninguém mais suportava ver Noite no Museu, mas ela fazia cenas dantescas na locadora, e lá vinha Noite no Museu de volta para o DVD. Até que convencemos a Piqui a ver Noviça Rebelde. Chegando em casa, descobrimos que não tinha dublagem em português.
- Coloca em espanhol. Quero aprender a falar espanhol.
E assistiu sete vezes em espanhol.
- Amei esse filme.
A Piqui só não pode ver Bambi, porque a mãe dele morre e ela chora o resto do dia sem possibilidade de consolo. A Piqui é a criança mais sensível que eu conheço, e chorou muito quando descobriu que todas as pessoas ficam velhinhas e morrem. Mas quando pisam nos calos dela, a Piqui pode ser muito impiedosa. Como quando foi impedida de ver seu desenho preferido no Discovery Kids (Charlie & Lola) porque o tio colorado queria aproveitar a rápida passagem pelo Brasil para saciar a vontade de ver os gols do seu time no Globo Esporte. Tentamos argumentar que a TV não era só dela (apesar de nós sermos os hóspedes), mas a Piqui se revoltou.
- Essa TV não é de vocês, essa casa não é de vocês, nem aquele quarto é de vocês. Vou colocá-los para dormir aqui na sala, nesse chão bem duro e frio, sem cobertor.
Eu achei graça, mas a mãe dela gritava, horrorizada:
- Pede desculpas! Pede desculpas!
Se tem uma coisa que a Piqui detesta é pedir desculpas. E receber ordens, tomar banho, andar de mãos dadas e ser proibida de fazer algo. Segundo ela, “quando as crianças querem fazer algo, os adultos têm que deixar”. E o que tu vai ser quando crescer, Piqui? “Presidente do Brasil”, ela responde. Pensando bem, é o único cargo no país ao qual ela se adaptaria. A Piqui é a criança mais orgulhosa, voluntariosa e insubmissa que eu conheço. Faz tudo sozinha desde os 2 anos.
- Eu odeio ajuda – ela diz.
Mas a pequena Kate Mahoney também sabe ser fofa, fofa, fofa.
- Dani, sabia que tu é a melhor tia que eu já tive?
Ai, ai. Quem resiste?
A Piqui não sabe guardar segredos. Ela pula e ri nervosamente, até contar pra todo mundo, 15 segundos depois. A Piqui ama cavalos e pediu para o avô plantar girassóis no sítio dele. Eles cresceram, floresceram. E quando morreram ela disse:
- Os girassóis são como as pessoas, vó. Não duram muito.
A Piqui tem uma imaginação incrível, a melhor gargalhada do mundo e silêncios impenetráveis. Pode ficar muito tempo pensativa, sem responder pergunta alguma. E quando a gente menos espera, faz confissões surpreendentes.
- Dani, sabia que eu já chorei porque queria ser muito grande e alta pra alcançar a comida nos armários?
Eu disse pra ela não chorar, pois um dia ela ia ser muito grande e alta, e, enquanto não crescia, era só subir numa cadeira.
- É, mas quando eu faço isso, a minha mãe diz: “pode saindo”.
Árdua tarefa a de ser civilizadora desta criatura indomável. Um dia, a mãe da Piqui fez algo que ela não gostou, e eu, lá do quarto que não é meu, pude ouvir os gritos dela:
- Pede desculpas! Pede desculpas!
Lendo antes de dormir